No outro dia fui convidada para uma cena. Numa das mesas da sala onde ia acontecer o evento, estava um livro chamado: Por que os homens amam as mulheres poderosas? Peguei nele e comecei a ler. Rapidamente percebi que era de auto-ajuda, mas continuei, por causa da palavra mágica que apareceu logo nos primeiros parágrafos: boazinha.
Apesar das botas de salto altíssimo da capa, li-o todo, pasme-se, e se houve algumas coisas que fizeram sentido, nomeadamente o alerta para comportamentos que às vezes adotamos, dos quais não nos damos conta, e que se prendem com o adjetivo “boazinha”, a generalidade do livro ofendeu-me profundamente. Também me deprimiu um pouquinho…
O livro é escrito por uma mulher, que se propõe falar sobre mulheres supostamente poderosas, alimentando, o tempo todo, um machismo verdadeiramente repugnante, retratando os homens como se fossem de cristal e as mulheres como se fossem feitas de aço, aconselhando-nos a sermos homens, a adotarmos comportamentos tipicamente masculinos. Avisando-nos que os homens, coitadinhos, não sabem lidar com os sentimentos. Como se isso fosse bom…
Para masculinidade já me basta a minha, o que eu e a grande maioria das mulheres ocidentais precisa, e os homens, já que falamos nisso, é de resgatar o feminino, de o integrar na sua personalidade racional, de aprender a lidar com ele, a valorizá-lo, a aceitá-lo. E a solução para isso não é ignorar seja o que for, muito menos os nossos sentimentos.
Pois é isso que ela faz, praticamente aconselha a que sejamos controladoras, ou das nossas próprias emoções ou das situações. Pior que isso, em momento algum sugere espontaneidade, em momento algum abre espaço para ela. Ora a espontaneidade, a autenticidade, revelam alguma liberdade, alguma segurança, para expressar opiniões, mas também sentimentos, desagrado, alegria, entusiasmo, raiva e, porque não, insegurança.
Se há coisa que não se deve esperar de uma mulher é que ela seja constante, e bem, basta pensar na analogia arquetípica: feminino – lua, masculino – sol. Além disso, parece-me que o grande objetivo é sermos cada vez mais e tanto quanto possível nós mesmos. Com tudo a que temos direito, simplesmente porque somos humanos, não máquinas. E aprendermos a gostar de nós assim mesmo, em todos os momentos. Ou pelo menos a respeitarmo-nos.
O livro também me deprimiu, este tipo de literatura tem o péssimo hábito de dar a mesma receita para toda a gente e de querer fazer crer que a coisa funciona por osmose, garanto que não funciona. Já para não falar na frustração que um livro destes pode gerar: que chatice, não consegui ser racional, carinhosa, segura, autêntica, verdadeira, independente e auto-suficiente. Ou seja, em vez da mulher gostar mais e mais de si, não…
O que me ofende nesta gente que escreve livros de auto-ajuda é a leveza e a irresponsabilidade com que o fazem, dando a ideia de que é fácil, de que somos todas iguais, de que uma receita serve para toda a gente, de que todas queremos o mesmo, precisamos do mesmo. O que me chateia é a falta de espaço para deixar que a mulher seja ela mesma, e não um homem, um robô ou uma mulher igual a todas as outras, apesar de a autora insistir, até à exaustão, na valorização de nós mesmas.
Além disso, o grande problema destes livros é que desconsideram os motivos pelos quais as mulheres agem assim e assado. E esses motivos são de cada uma, não adianta fingir que não existem, não adianta tentar controlá-los, abafá-los, já sabemos o que acontece com algo que abafamos…
A única forma de nos tornarmos poderosos é descobrir e entender de onde vêm determinados comportamentos. Reprogramar o cérebro, nos casos em que der para o fazer, aceitar, nos casos em que não houver nada a fazer. A única forma de nos tornarmos poderosos é não precisarmos de poder algum, é não sentirmos necessidade alguma de controlo, por nos conhecermos o suficiente ao ponto de sabermos discernir o que nos serve e não nos serve, seja com a cabeça seja com o coração, que a autora pura e simplesmente ignora, sendo que é mulher.
Concordo totalmente. Tenho alergia a livros de auto-ajuda que nós fazem sentir mal por não conseguirmos ser aquilo que eles querem que nós sejamos.
pior do que isso, não te "deixam" ser tu mesma…
Sim.
Como se tivéssemos que ser daquela maneira, formatados, optimistas em 10 lições, felizes em 10 lições, realizados em 10 lições.
Irrita-me =/
:D exato!
"A única forma de nos tornarmos poderosos é não precisarmos de poder algum." All said!
<3
Isa, esse livro também caiu nas minhas mãos há um tempo atrás não me lembro exatamente como. Não consegui ler, logo notei que era “auto-ajuda” das piores. Vou só fazer uma ressalva quanto a isso – algumas vezes coisas absolutamente líveis são injustamente classificadas como auto-ajuda. Mas o ponto é – o teu último parágrafo diz tudo. E além disso, o poder corrompe. Em todos os níveis e em todas as áreas, eu venho dizendo isso há algum tempo, ao contrário da “boazinha”, apetecem-me algumas maldades aqui e acolá – e watch me falando com sotaque, você é contagiosa. :-) Um brinde às maldades inocentes. E às nem tanto.
Sim, a sede de poder é o diabo… E sim isso do boazinha também já não me tenta. Let’s toast to that, às inocentes e às outras ;)