A pior solidão não é a que não nos aquece os pés no inverno. Nem a que nos impede de nos matarmos no mês do Natal. Também não é a que não nos mede a febre, vai por nós à farmácia, nos leva comprimidos. A que nos faz trabalhar até mais tarde para evitar encontrar uma casa sem luz, calor e cheiro a bolos a sair do forno. Ou a água do banho, com vapor ainda a acumular-se no espelho. Sem caretas. A das paixões solitárias, às vezes platónicas, quase sempre impossíveis.
Sequer a dos corações inatingíveis
Nem a que não nos faz uma surpresa no nosso dia, nos tira uma foto em viagem, nos vai buscar ao aeroporto, nos faz o jantar, nos serve um vinho. Não é a do primeiro beijo que não recebemos de manhã nem a do que não damos antes de dormir.
A da mão que não nos pousa na nuca.
Nem no ombro, na curva do pescoço.
Também não é a que nos dói no corpo por ausência de contacto físico. Nem a que não nos sossega dos pesadelos e da realidade. Que não nos traz para casa depois de um procedimento médico. Nos conforta da morte e do sofrimento dos nossos. Nos deixa do lado de fora deste. Não é sequer a de não ter contacto de emergência.
A pior solidão é a existencial.
Ontem, estava a ler um texto do Stephen Farah, um excerto mais excelente do que o costume, apeteceu-me tuitá-lo, ainda fiz o copy, mas pensei: não vale a pena, ninguém quer saber. Sequer tenho a certeza de que entenda. E senti-me a pessoa mais sozinha do mundo. Uma solidão interna, psíquica e física. Uma escuridão e um vazio. O cosmos inteiro dentro da minha cabeça.
Aquela parte que não tem planetas, estrelas ou auroras.
Como, num outro tempo qualquer, o meu cérebro deve ter trabalhado em equipas de resgate em condições adversas não demorou muito a lembrar-se das pessoas que estão a fazer os três cursos de psicologia que frequento neste momento. Pessoas essas que, se não entendem tudo, estão pelo menos no mesmo barco existencial e psíquico. O de lidar com sombras e monstros heróis e feras. Deuses e homens. Os escombros da identidade. E percebeu que talvez não estivesse assim tão sozinho, afinal.
Raramente participa nos grupos de Facebook criados para o efeito. Não lhe apetece exposição e que aquela informação, partilhada de forma espontânea num momento de fragilidade e alguma fé, possa ser usada contra si num futuro próximo ou longínquo.
Afinal, fica tudo na net.
Fê-lo uma vez, além das apresentações básicas, e não em todos os cursos. Uma vez de grande exposição de fantasias várias, sombras indizíveis e mitos a viver. Tudo exposto, como se estivesse esventrada debaixo dos holofotes de um bloco operatório. Não obtive qualquer resposta decente a não ser: é um bom começo. Sem qualquer tipo de retorno. Quando ainda por cima pensei que tinha chegado ao tutano da coisa. Pior que isso, a tinha exposto.
Nunca mais…
Principalmente porque só chateio quando estou no limite. Fora isso, não incomodo os outros com minudências e carências infantis. E, quando estou no limite, e me dou de facto ao trabalho de falar, espero, no mínimo, um sinal de que fui ouvida e acolhida. Sempre que isso não acontece, a concha vai fechando.
Cada dia mais.
É muito rara a pessoa que percebe quando tem diante de si um momento de partilha de intimidade e de vulnerabilidade. O privilégio que isso é. A confiança que é precisa. E que o aguenta e por isso lida com ele da única forma possível, ouvindo.
Muito rara
Porque também o momento tem de ser sincrónico. A disponibilidade para ouvir sem resolver, a empatia para se imaginar na pele do outro, um gesto e um toque quando as palavras são vazias, inúteis e sem grande sentido.
São muito especiais as pessoas que aguentam ficar caladas nos seus desconfortos.
Na verdade, há uma ou duas pessoas que entenderiam perfeitamente o excerto do texto do Stephen. Mas a intimidade faz-se da presença também, e muito. Sem presença, perde-se a coragem de ser espontâneo, não queremos incomodar, cair de para-quedas, interromper o momento do outro com um balde de água fria no inverno. O mais provável seria cair em saco roto. E não aguentamos mais vazios verbais.
Abençoado mundo interno…
Não vinha aqui há que tempos.
Que bom que vim. Que bem que escreves.
Identifico-me em muito do que escreves, engraçado mas às vezes preferia ser como a outra metade. A que põe tudo cá para fora e pronto. Eu digo algumas coisas mas são as básicas, que se podem dizer a toda a gente que não ofende ninguém. As pessoas gostam de saber que os outros estão na “fossa” mas não podes demorar mais de 3 minutos e meio a expor a tua tristeza. Depois voltam para elas e os seus problemas, os verdadeiros, no caso.
No outro dia alguém me disse “não sei nada sobre ela, estou enterrada nas minhas preocupações, não me apetece ouvir os problemas dos outros.”. Fiquei tão triste….. Será que quanto mais velhos, mais egoístas?
Um beijo grande.
Muito obrigada <3 sim, somos todos narcisistas, a diferença entre uns e outros é quando o nosso narcisismo não contempla que exista mais mundo e mais gente além de nós. Enqto que outro tipo pensa em si primeiro, considera as suas necessidades primeiro, mas não passa por cima dos outros para as satisfazer, nem as satisfaz às custas do outro. Beijo grande <3