Há um sem número de tipos de autores, como há um sem número de tipos de personalidade. De leitores… E tudo na criação é autobiográfico. Seja por ter sido vivido, por desejarmos vivê-lo, seja, acima de tudo, por não o compreendermos. Chamem-lhe narcisismo, o que for.
É sempre, sempre sobre nós.
São as pessoas com quem convivemos, por querer ou obrigação, que nos inspiram os personagens que criamos e não entendemos. Nos fascinam ou repugnam. Das quais queremos vingar-nos ou aproximar-nos.
Quanto mais inconsciente é o conteúdo psíquico, mais fantasista é o que escrevemos. Quanto mais queremos desidentificarmo-nos, mais ficcional é a nossa escrita. Nas nossas histórias, vivemos simbolicamente, à distância, por portas travessas, os conteúdos psíquicos que nos atormentam.
E que personificamos e projetamos nas pessoas com quem convivemos.
Por outro lado, quanto maior é a vontade de entender, trazer para o presente consciente, aceitar, mais escrevemos na primeira pessoa, as nossas histórias se tornam pessoais.
Um método não é melhor do que o outro.
Tal como um tipo de personalidade não o é. Fazemos apenas o que aguentamos, da forma que menos nos traz ansiedade, dor, medo, desconforto, trauma. Por só assim funcionar. Só assim ser verdadeiro.
E, na arte como na vida, só a verdadeira verdade me interessa. Não a verdade do ego, da sombra, da persona. Mas a verdade da alma.
No entanto, há os autores que nunca o fazem, os escritores de fantasia, poesia, criando mundos próprios arquetípicos para contar as suas histórias. Depois, há os mestres que misturam ficção e real, como o Hermann Hesse, o autor de quem tenho mais livros e com quem mais e melhor me identifico.
Um génio da literatura e da psicologia.
Um artista e um psicólogo. Para além de escrever, também pintava. Não conheço melhor forma para um introvertido criativo se apaziguar e entender o mundo que o rodeia, essa tal de realidade.
Sem destruir a magia da criação, da intuição, do sentimento.
A psicologia faz essa ponte, entre o simbólico e o real. E continua a salvar-me todos, todos os dias…
E há os que começam pela escrita do real para conseguirem partir para outras viagens, mais criativas, desidentificadas, mágicas, eu diria. O meu caso.
A Julia Cameron, no seu Morning Pages, defende o mesmo.
Livro que recomendo vivamente para quem se encontra emocionalmente travado para a criação, mas sente-a a pulsar, desesperada para voar.
Também por isso decidi publicar o Amor egoísta.
Ontem fiz 50 anos. Meu Deus, ainda me custa muito dizê-lo, apesar de andar a agonizar desde 2017… Contudo, se há coisa que este número um pouco assustador traz é a vontade de largar o que faz parte do passado e ainda nos atormenta o presente. Não esperar por terceiros, materializar a dor da perda, escancarar a vulnerabilidade.
Até publicar, os livros são só nossos. Quando optamos por lançá-los no mundo, passam a ser dele. A sensação de leveza, imediata.
Enquanto autora, não me cabe mais nada, apenas dar o meu melhor.
Honrar a posição de veículo, de canal, entre o arquetípico e o real. Ser o instrumento pelo qual o divino nos chega, nos toca, nos inspira. A razão coletiva da existência de todos os artistas, todas as formas de arte. O conhecimento além do racional, do científico. Sendo verdadeira comigo mesma e com quem ouve a história.
A minha versão da mesma, pelo menos.
Esperando que resolva em mim o arquétipo daquele animus, emocionalmente distante e psiquicamente fechado. E que ajude outros, pela via da inspiração ou da identificação, a consciencializarem-se do que, arquetípica e intuitivamente, já sabem.
A experiência diz-me que só o trazer para a consciência, racional e emocional, aplaca a ansiedade do não saber, da confusão, das mensagens dúbias, do dar e tirar.
É esse o propósito da escrita e da publicação deste livro.
Além, claro, da expressão. A força motriz de todo o criador e criativo, de todos os artistas.