A depressão é a sensação de estar isolado num mundo cheio de gente. É viver no meio das pessoas e sentir uma solidão imensa. É impedir que os outros cheguem perto, o que só aumenta essa sensação de solidão e de isolamento.
Aliada à frustração
Uma enorme frustração. De não ser visto, olhado, compreendido.
Esse isolamento bloqueia a conexão, o vínculo, o relacionamento.
É uma castradora da liberdade de viver, de nos relacionarmos, de amar…
A resistência à influência do coletivo é uma proteção, também. Já me safei de um ataque de pânico no meio do metro de Entrecampos, quando vi toda uma massa de gente a caminhar sem freio, pareciam autómatos, na minha direção. E o meu único instinto foi olhar para o chão e seguir caminho até chegar à rua. Foi o que me salvou. Às vezes é preciso baixar os olhos, ou fechá-los, à influência da massa, para não sermos engolidos por ela, nos perdermos de nós, nos mantermos sãos.
Bird Box é sobre isso.
Chamar alguém pelo nome é reconhecer-lhe a existência. A identidade. Quando nos reconhecemos, vinculamo-nos.
E sobre conexão. Sobre ir além do medo. De nós mesmos e do nosso mundo.
Não viver por medo não é viver, é sobreviver. Sem os riscos inerentes à vida mas também sem os seus prazeres. Descobertas, perplexidades…
E sobre o sonho…
Não sonhar é estar morto em vida. E sonhar é manter a esperança, espelhada nas crianças, que são o futuro do mundo. Que é o que nos mantém vivos.
A protagonista, que sofre de depressão, é a única que resiste à tentação das vozes. Da luz que mata ou enlouquece. É a única que sobrevive. Que não é vulnerável às influências nocivas dos outros. Essa não vulnerabilidade é o que a salva, afinal… A única capaz de segurar as crianças. Resgatando o seu instinto materno, que a mantém ligada à vida. A que se refere simbolicamente também o ninho, em cima de uma árvore, sem as quais não há oxigénio, nem vida… A capacidade de aguentar, de resistir, de sobrevivência de um deprimido é maior do que a de qualquer um dos outros. A força interna, apesar de tudo, também.
É possível olhar para dentro, cegos, de um jeito criativo e não auto-destrutivo, como é o caso da depressão, e ainda assim co-existir, em comunidade. Ela sobrevive porque os três se mantêm juntos. E viver sem tecnologia, que muitas vezes nos aliena do contacto verdadeiro com os outros, muito visível nas crianças, que brincam umas com as outras.
E os pássaros, livres para voar, mantêm a conexão com os instintos, que lhes garantem a sobrevivência, porque os alertam dos perigos, que evitam sem questionar. Como todos os outros animais.
Susanne Bier só faz filmes bons, sobre o que verdadeiramente importa. E este não escapou.