Saudade, essa sádica.
A saudade é uma sádica que te apanha desprevenido e, sorrateira, aproveita todas as brechas. Que te entra pela cabeça e se esconde nos recantos mais escuros, para te surpreender quando menos esperas. Que te consola e te magoa, te fere, quase te mata. Te faz rir às gargalhadas e chorar às convulsões. Que ali fica, a olhar para ti, certa de que te venceu, vais render-te, pedir misericórdia, clemência. Que te atira ao chão, te deixa estendido, prostrado, inerte, letárgico. A saudade é um direto nos queixos, um entorpecente muscular, um pontapé nos rins, um mace nos olhos. A saudade é matreira, cobarde, desigual. A guerra contra a saudade é uma batalha perdida, a saudade ganha sempre, essa sádica. A saudade é um zumbido no ouvido, uma moinha abdominal, uma pontada nas costas, uma falha nas articulações, um ardor na pele. Uma janela que chia, o vento que faz bater as portas, o cão que ladra sem parar, o incauto que desata a martelar ao domingo, a britadeira das obras do andar de cima logo de manhã, o alarme do vizinho que foi de férias um mês, no meio da noite, às quatro da madrugada, quando adormeceste às três e meia. A saudade é a mosca na tua sopa, o jingle que não te sai da cabeça, a roupa que te aperta. A saudade é o teu bolo preferido a sorrir para ti na montra da pastelaria, quando estás em contenção de açúcar. O filme que queres ver e não podes, o livro de que te esqueceste em casa, num dia de esperas várias. A saudade é o que não podes ter, ver, tocar, sentir, cheirar. É o inatingível, a presença ausente. A saudade é uma sádica, que te aconchega sem te tocar. É o desejo insatisfeito, o quase, o aquém, a ânsia pelo que nunca vem. O quarto lugar. A saudade é uma sádica, que te arrasta pela lama, num dia de chuva. É o verão no inverno e o inverno no verão. É a valorização do que não tens, o abraço que não recebes, o beijo que não se sente, as notícias que não vêm, o amor que não se concretiza, o afeto que se desfez. A saudade é uma sádica, amarga, insatisfeita, cínica, maléfica, dura, impenetrável, irredutível, fatal.
Este e outros, aqui.