Tenho andado entretida com o meu primeiro romance, ficção, que me tem dado um gozo imenso.
Já teve três títulos. Não estou contente com nenhum…
De resto, tudo sobre rodas.
Voltarei à antena assim que possível.
A ilusão da democracia, do partido político, do clube de futebol, da religião, da ciência, dos números, dos astros, do comunismo, do socialismo, do fascismo, da ditadura, do poder, do controlo, da opinião, da participação, do dinheiro, da moda, da beleza, do desporto, da comida, do álcool, das drogas, do sexo, do que funciona, do que não funciona. Da guerra e da paz. Da luta, da batalha. Da ordem e do caos. Da posse. Do ego, da sombra e da persona. Do cinema, do teatro, da dança, da arte em geral, dos livros. A ilusão da cultura. A ilusão do ter e do ser, do conhecimento e dos factos. A ilusão da vida e da morte, da depressão e da tristeza, da alegria e da euforia. Da família, dos irmãos, dos filhos, dos pais, dos netos. A ilusão da maturidade e da eterna juventude. Da fuga. Da presença e da ausência. Da distância e da proximidade. A ilusão do medo, da ignorância. Da saúde e da doença. A ilusão da vida saudável e da vida desregrada. A ilusão do compromisso e da liberdade, e da falta dela, a sua maior aliada. Da dependência e da independência, que pode ser a forma mais básica de dependência… A ilusão da agressão e da passividade, da coragem e da manipulação. Da bondade e da maldade. Da inocência. A ilusão dos heróis e dos vilões, dos fracos e dos fortes, dos bonitos e dos inteligentes. A ilusão da roupa espalhada pela sala e da cozinha arrumada, da pasta de dentes amassada e direitinha. A ilusão do cliché, do diferente. A ilusão dos amantes e a do casamento. Do acordo e do desacordo. Da solidão e da companhia. Das rotinas e dos dias sempre diferentes. A ilusão da esperança, dos dias melhores. A ilusão do dever e a do prazer. A ilusão das causas e a de um ideal. A ilusão dos ímpetos. Da estabilidade, da segurança, da rotura. Da destruição e da construção. A ilusão do conflito e da mudança. A ilusão da permanência e da partida. A ilusão do outro, a nossa própria ilusão, sobre nós e sobre o outro. A ilusão da influência. A ilusão suprema, a ilusão da (nossa) importância… Message in a Bottle, 2011.
É uma coisa engraçada, a memória.
Há de haver um processo qualquer que nos faz esquecer determinadas vivências para que possamos sobreviver. E, de alguma forma, meio mancos, consigamos coxear para a frente.
Essas memórias são como brasinhas.
Que não pegam fogo à casa mas ainda não se extinguiram. Dançam umas com as outras em cantos recônditos da nossa cabeça. No entanto, basta um pequeno rastilho para que apareçam bem vívidas. E ocupem rapidamente o lugar da frente das nossas memórias, como se tivessem acontecido há cinco minutos.
Dizem que só os velhos vivem de memórias, que é o que lhes resta porque o futuro é ao minuto.
Há muitos seminovos que vivem de memórias. Outros que nem das memórias saíram. Lá permanecem, nos anos 80 e 90. 60 e 70…
E alguns que vivem de memórias do que não aconteceu, do que poderia ter sido, agarrando-se ao que foi, como medida preventiva da consciência. Para dar tempo ao inconsciente de processar o conteúdo simbólico dessa memória, agora com mais dados disponíveis.
No entanto, as memórias têm um tempo próprio. Ler Mais…
São momentos de verdade, os tempos em que vivemos, neste momento tão particular do mundo. Não há fronteiras para o corona vírus, está no planeta inteiro. Estamos todos confinados e unidos nesse isolamento. Com os nossos.
E os do passado que se fazem presentes em momentos que podem ser devastadores. Aterradores. E que trazem a esperança de volta aos nossos corações. E a paz à nossa cabeça.
Abarca todo o tempo do universo. Por isso, só deixa cair quando mais nada resta. Nesse momento, mais do que desistência, é uma aceitação. Pacífica, porque nos está no corpo todo.
Privados de tudo quanto nos ilude, da tentativa que fazemos para nos convencermos de que somos eternamente jovens e bonitos, a verdade escancara-se.
Os cabelos brancos começam a aparecer, as rugas que escondemos voltam a lembrar-nos da nossa história, as unhas que não arranjamos, entre tantos outros exemplos, trazem-nos para a realidade que o nosso corpo nunca esconde, por mais que a cabeça e o coletivo nos imponham um ideal. Tantas vezes insano, tantas vezes impossível. Fazendo que nos arranque bocados que nos são preciosos. Vitais. Tão simplesmente por fazerem parte da nossa história, contribuindo para a pessoa em quem nos tornámos.
É apenas o que é…
Máscaras caem, literal e metaforicamente. Ao mesmo tempo que outras se erguem. Deixando apenas os olhos à vista de todos. A única parte do nosso corpo disponível para ser olhada. Tudo o resto está coberto, inclusive a nossa boca, que tantas vezes contradiz o que sentimos e tememos expor. Olhos esses que revelam tudo o que teimamos em querer esquecer, esconder. De nós e dos outros.
Toda a gente sabe. No entanto, muito poucos aguentam ser vistos. Olhados, de verdade.
São momentos de muita tensão, dúvida, incerteza, frustração, ansiedade e medo. Mais ainda do que qualquer outra parte de nós, a persona, anulada neste momento tão único, não é mais suficiente para conter o que reprimimos uma vida inteira. E o ego, coitado, faz o que pode para se manter no controlo. Piorando ainda mais a situação. Que deveria ser de união, de proximidade, de vulnerabilidade. Em vez de batalha, de superioridade, de temor, de afastamento.
Os outros verem quem e como somos? Ou nós levantarmos o véu e nos encararmos pela primeira vez?
O mundo está prestes a acabar, ou assim parece, o que temos a perder?
São momentos para saber, de uma vez por todas, sem mais ilusões ou fantasias infantis, quem está e quem não está. Pertence e não pertence. É e quem não é importante. Relevante. Fundamental. Não pelo papel que representa, muito menos pelo que gostaríamos que representasse. Mas pelo que nos une, nos vincula, está lá para nós, por nós. Até além de nós.
Afinal, são momentos de verdade estes, de nos olharmos como nunca. De nos vermos de verdade, na nossa identidade total. Inclusive, de nos conhecermos…
Enquanto e se para isso houver vontade. Ainda que tenham passado mais de 20 anos. Temos tempo. É coisa que agora não nos falta. Mais do que tempo, disponibilidade, física, mental, emocional. Na medida das solicitações do teletrabalho, da família e da vida que escolhemos viver. Que aguentámos viver.
Agora, há algo que nos é mais precioso. Que queremos preservar sobre tudo o resto.
E não, não é a persona, a cara que mostramos ao mundo e que esconde o monstro que mora na nossa cabeça. Esse sai do covil onde mora o ano inteiro, queiramos ou não. E agora, mais do que nunca, com uma força e uma crueldade incapazes de serem contidas. Quer pelo ego, quer pela persona.
Essa condição que nos permite ser empáticos, vulneráveis. A inevitabilidade de pôr o coração à frente de tudo. Das nossas certezas e convicções, do trauma, da memória, da dor, da frustração. Do tempo que passou e que não volta. Das escolhas que fizemos e que definiram o resto da nossa vida. Das memórias de vidas que vivemos aos 20 anos e que insistem em não se diluir. Por ainda não estarem resolvidas, apenas se harmonizaram com o tempo. Graças ao que fizemos delas, com elas e apesar delas.
Apenas se adiou…
Apesar e além da fúria e dos demónios que nos habitam, agora com a porta aberta para a rua, e de os expressarmos na medida certa, o nosso humanismo, a nossa essência, o que nos une, sobrevive. E está, na verdade, mais vivo do que nunca.
O suficiente para, por mais tentador que seja, não nos deixar matar o que nos resta. A capacidade de amar, entender, comunicar, querer. De ter esperança. E até alguma fé. Não de que vá ficar tudo bem por desejo.
Porque algo maior do que nós, do que o vírus, do que a economia, a condição social dramática que se adivinha, seja Deus, seja o Universo, seja a ordem natural das coisas que tudo equilibra, disso se certificará.
Como tal, e apesar das perdas, das imensas, inúmeras e irrecuperáveis perdas, sairemos disto melhores. Acima de tudo, porque seremos mais nós… No fundo e à superfície…
E, à semelhança do que aconteceu com o meu primeiro livro, e do que aconteceu em francês e espanhol, também o segundo, Eu e o Sr. Freud, foi traduzido para inglês. E está disponível nas plataformas digitais do costume. Tradução da Teresa De Gruyter, numa colaboração de que me orgulho muito e a quem estou infinitamente grata*.
A primeira livraria a chegar-se à frente é sempre, sempre, a Barnes & Noble. O que me deixa particularmente feliz. Depois a Apple, a Kobo e por aí vai.
Foi um prazer trabalhar no seu livro e agora aguardo com antecipação a publicação. Espero que o meu trabalho tenha correspondido às suas expectativas. Pelo meu lado posso dizer que gostei muito do desenvolvimento do tema – interessante, cativante, por vezes hilariante, introspetivo, reflexivo e até motivacional – identifiquei-me frequentemente com as personalidades e com a maneira como vivo (ou tento viver) a minha vida. Gostei particularmente da comunicação aberta entre nós. Ajudou muito! Obrigada. Desejo muito sucesso e, já sabe, sempre que precisar, disponha. Teresa de Gruyter.
*Aliás, neste processo de rever as minhas palavras noutras línguas das coisas que mais me dá prazer é constatar o compromisso com o texto por parte das tradutoras, dando-lhe primazia. E esse é o único tipo de colaboração em que acredito, o que privilegia o resultado, a criação, e não o que dá prioridade à vontade, ao ego, à teimosia, ao orgulho. O que dá espaço à expressão e não o que quer vingar pela imposição.
Grata a vós, Maria Carda (Message in a Bottle e Eu e o Sr. Freud Espanhol); Christa Parish (Message in a Bottle Inglês); Isa Magalhães (Message in a Bottle Francês); Alexandra Lúcio (Eu e o Sr. Freud Francês) Teresa de Gruyter (Eu e o Sr. Freud inglês).
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