O tema interessava-me particularmente, principalmente a forma como iria desenvencilhar-se. Por isso, ontem fui à cidade ver uma exposição de um artista português que, para além de ser giro que se farta, desenha que é uma beleza, com alma e sentido de humor. Se isto não é o que faz do artista um bom artista, e de uma pessoa um ser humano digno desse nome, não sei o que será.
A inauguração começava às seis da tarde e a mim, a quem voltou a apetecer varrer as pessoas à minha frente com a primeira coisa que apanhe à mão, um guarda-chuva ou uma vara, tanto faz, de tão esquizofrénicas que já andam por causa da histeria consumista que antecede o Natal, e que lhes dá o direito de serem umas bestas umas para as outras, de se atropelarem e não pedirem desculpa, de se portarem como se estivessem na selva ou não comessem há um mês e estivéssemos em guerra e em escassez, decidi que ia e voltava de combóio, porque não estava para me irritar na selvajaria do trânsito lisboeta e arruinar a saúde a tentar estacionar, àquela hora, no centro da cidade.
Lisboa está bonita, há uma série de lojas às quais nunca tinha prestado atenção e que me encantaram a cada passo, moderna, mantendo a antiguidade dos prédios, iluminados e arranjados, o que faz da cidade um charme, para além de, de certa forma, original. Gosto muito desse contraste, do moderno com o antigo, desde que com bom gosto, naturalmente. Tem de encaixar umas coisas nas outras, a harmonia é fundamental. Vim praticamente enfeitiçada do metro do Chiado até cá acima quase ao Príncipe Real.
A exposição estava lotada, senti-me um bocado deslocada e o gajo maldisposto que há em mim, deixando-se abduzir pelo espírito da época, tratou logo de se perguntar o que seria pior, se uma sala cheia de intelectuais se uma cheia de artistas. A sensação do tenho de ir porque vai lá estar toda a gente, porque me interessa ser visto naquele sítio, naquele dia, de quero lá saber de vocês, eu vou ver este desenho colada a ele e que se lixem as pessoas que estão atrás e também querem ver, este descaso em que se tornaram os eventos públicos em que as pessoas se portam e agem como se estivessem em casa e aquilo fosse tudo delas, anda a irritar-me além da conta e talvez só agora me aperceba com propriedade o efeito que a cidade tem em mim. E do qual quero distância. Depois, chegaram as miúdas e tudo ficou mais tranquilo e ameno. Os desenhos do Mário são incríveis, as ideias dos acrílicos originais e a companhia tudo melhorou rapidamente.
O verão acabou sensivelmente há uma semana e ontem, à semelhança do que aconteceu noutros dias, choveu que foi uma beleza. Felizmente, vim preparada com o meu casaco sueco, se há povo que sabe fazer casacos são os suecos. A molha só não foi homérica por causa deles e deste maravilhoso e barato investimento que fiz aqui há umas semanas. As botas, outro maravilhoso investimento, desta vez na produção nacional, uma marca à qual não resisto, apesar de me levar o couro e o cabelo, revelou-se precioso. Ainda que não fossem as indicadas para a chuva, nem uma gota de água entrou nestes pezinhos de princesa, nem uma.
Achei, na minha inocência, que a chuva só caia em Lisboa, quando cheguei à estação aqui reparei que não, pelo contrário, chovia copiosamente, sem dó nem piedade. Táxis que é bom, nem um. Não tive outro remédio se não vir a pé até casa, uns bons 15 minutos debaixo de chuva e só pensava que quentinha estaria no meu carrinho novo, que é pequenino e bonitinho. Os jeans gelavam-me as pernas, o vento ameaçava arrancar-me o capuz do casaco, mas não conseguiu, achei que a mão quase me caía quando tive de o segurar um pouco, de tão gelado que estava o vento naquela chuva, mas era só. Tudo o resto, cabeça, tronco e pés, intactos, secos, impecáveis.
E valeu a pena ter saído de casa. A exposição encantou-me, a companhia maravilhosa e o jantar, num espaço só para nós quatro, delicioso.
Ainda me mata essa nuvem de gente visitando exposições por ser “cool”. Não cobro entendimento de arte, até porque não entendo nada, mas se vai pelo menos que tente ver a arte.
No mais, sair, amigos, jantares, sempre é bom, mesmo quando é ruim. =D
Meu, quase não dava para entrar lá dentro, tal eram os tamanhos dos egos das pessoas, deus me livre…
Eu também não, e constrange-me imenso que quem não perceba nada, ou até mesmo perceba, pose de entendido. Arte é para apreciar, não para explicar, qualificar, racionalizar. Estragamos tudo quando racionalizamos. Bonito mesmo é a magia do simbolismo e os efeitos em nós. é a minha forma de comunicação preferida, embora tenda racionalizar demais.
Sair, amigos, jantares, só intimistas, como foi o caso de ontem. A minha introversão ainda um dia me há de matar… :)
Essa introversão e o medo de ser encontrado falecido há dias em casa “porque ele era assim mesmo, ficava enfurnado por dias, incomunicável”. rsrsrs