
Se durante um tempo parece que dar uns berros, sair e bater a porta nos resolve o problema, chega um momento em que somos simplesmente forçados a lidar com a situação, porque a esquizofrenia em que vivemos é pior do que se tivéssemos armado um barraco, exposto os nossos monstros, partido a loiça. Já não chega, não resulta, não dá mais para ignorar. E, independentemente de não nos resolver o problema, a responsabilidade não é de um só, nunca é, de alguma forma há medo de ambas as partes, talvez por nos ser insuportável lidar com a perda, talvez por nos ser muito difícil vivermos connosco mesmos depois de tudo o que conhecemos sobre nós e sobre o outro, vivermos com a ressaca moral de sermos uns animais, afinal, com a plena consciência disso mesmo, não tomados pela sombra, que acha ótimo que sejamos umas bestas e ainda se orgulha disso. E talvez a raiz do problema seja essa mesma, a conta elevada demais em que nos temos. O não gostarmos assim tanto de nós para nos permitirmos andar para a frente, resolvidos, com a consciência de que merecemos uma vida melhor, mesmo depois de descobrirmos que não somos tão o que quer que seja que achávamos que éramos, que imaginámos que seríamos. Talvez o que tenha faltado desde sempre seja isso, acolhimento, independentemente de tudo, acolhimento pelo que somos e não pelo que esperam de nós. Acolhimento, puro e simples.