Quisera um dia a minha avózinha, que Deus a tenha na sua santa paz, ensinar-me a coser. Deu-me até um estojo, que parecia de pele de cobra por fora, de veludo azul escuro por dentro, com os básicos da costura: tesourinha, dedal, agulha, alfinetes, umas coisas para as linhas.
Tentou uma vez, que me lembre…
Era criança, maria rapaz, como se dizia antigamente, agora não se pode… Artemis, era o arquétipo. Queria subir às árvores, andar lá fora, correr… Estar sentada horas dentro de casa, com o sol a brilhar janelas adentro, e uma quinta gigantesca para explorar, parecia-me uma imensa perda de tempo.
Até hoje, a única coisa que sei fazer é pregar botões e apertar calças, porque a minha mãe se fartou de o fazer. E, mesmo disso, já devo ter-me esquecido…
Acabei de me aperceber de que preciso de aprender a coser.
Não roupa, mas palavras. Na verdade, bocados de texto. Parágrafos, capítulos, uns aos outros com referências temporais e espaciais. Descrições e manobras de diversão para distrair as massas, em jeito de intervalo entre as pauladas existencialistas.
Para lhes dar continuidade.
Deixar pendências para resolver depois. Fazer dos capítulos uma linha contínua, como um filme, e não como numa série, com episódios independentes, em fragmentos, como tão bem definiu a Luisa.
O Pereira Coutinho chama-lhe carpintaria, mesmo à homem…
Fazer de um livro uma unidade harmónica, um todo, em vez de partes soltas, cada uma a puxar para o seu lado, isolando-se das outras e enfraquecendo-se por isso. Ou em guerra com elas, em vez de as ouvir.
Depois, leio Clarice, apetece-me atirar tudo para o ar e escrever o que e como me apetecer.
Escrevemos para nós, para dar sentido à existência. Quem nos lê depois, encontra o tal sentido para a sua, companhia, um espelho de si. Escrever serve para não nos matarmos de desespero, pela incompreensão do mundo racional, lógico, dos afazeres.
O que distingue arte de entretenimento.
A arte é o que jorra da alma, o entretenimento é o que nos distrai da vida.
A vida entedia-me porque me afasta da alma, da conexão com o todo, alimenta apenas uma parte da minha psique, o ego, a persona ou a sombra. Não gosto de viver aí. Por isso preciso da novidade, dos estímulos que me reconectam com o todo de mim. E odeio quando me acordam desse torpor.
Estava hesitante em publicar, que se lixe, é para isto que servem os blogs que já ninguém lê…