Há uma altura na vida em que, se tudo correr bem, começamos a desistir. De uma série de sonhos, de ilusões, de fantasias. Não por sermos fracos, cobardes, medrosos. Mas por essas ilusões e fantasias não passarem de adornos da persona. De tirania do ego.
Desistir de impressionar, passar ser fiel à verdade do Self.
Sonhos, ilusões, fantasias, desejos de grandeza que pertencem ao ser mais frágil que habita em nós e que apenas quer ver o seu valor reconhecido pelos mais velhos, pelos seus heróis e ídolos, como quem mendiga garantia de qualidade.
Como as crianças que chamam constantemente a atenção dos pais para as suas pequenas conquistas.
Dou por mim a desistir de uma série de futilidades, com um desapego surpreendente, uma leveza nunca antes vivida.
Até então, o desapego havia sido apenas material, apesar de este, por ser sempre símbolo de alguma coisa, arrastar uma série de passados, de ilusões desfeitas e de estilhaços de conhecimento inútil.
Agora, talvez com a aproximação aos 50, vou mais fundo.
Pode ser a isto que chamam liberdade e que vem com a maturidade. As amarras da persona voam em todas as direções. Não para dar voz ao Hulk, mas para o libertar, o deixar voltar para a selva, livre para atormentar outras almas que não a minha.
Não desisti de escrever. Nem do autoconhecimento.
A desistência, quando não verdadeiramente sentida, soa amarga. A frustração, na verdade. Desisti por não ter conseguido, e por isso desprezo ou desvalorizo todos quantos o conseguiram. Não deixarei que as rugas se me afundem no canto da boca, a maledicência faz pessimamente à pele.
Mais do que desistir, abandonar. Deixar…
Deixar pelo caminho os sapatos que já me magoam, as roupas que me apertam, as embalagens vazias e os restos de comida que já não vou ingerir. Largar desejos infantis, fantasias de adolescente, delírios de grandeza. No fundo, livrar-me da necessidade de impressionar, de ser admirada, a armadilha perfeita para, junto com a vaidade, me queimar as asas de cera. Não quero acabar como Ícaro.
Desistir dos outros, também. De esperar por eles.
Sobra muito pouco. O pouco que me acompanhará no resto do caminho. A voz da alma. Da razão. E do coração. O pouco que me preenche. Só o que me preenche.