Escassez

11/11/2022

Somos condicionados, desde que nascemos, a acreditar e a sobreviver na escassez. Começa cedo, quando nos dizem: “come o que tens no prato, porque há meninos a morrer à fome na Etiópia”. Essas instruções, repetidas uma e outra vez, ficam gravadas no inconsciente até se tornarem um programa (de computador), que corre à revelia do nosso cérebro, se dele não temos consciência.

Aos 35 anos, 97% das pessoas perderam o livre arbítrio. Vivem num programa.

O corpo manda, em vez da cabeça. Não nos lembramos da maioria dos dias porque são todos iguais. Fazemos as mesmas coisas, às mesmas horas, da mesma maneira. Porque vivemos no passado e no futuro previsível. Acordamos a pensar em coisas do dia anterior ou de há anos, culpamos, reagimos e não saímos do ciclo de neurose que é o modo de sobrevivência. Estamos a trabalhar, a pensar nas férias. Em férias, a pensar sei lá em quê. A tomar o pequeno-almoço e a ver notícias de escassez, começando o dia deprimidos. 

Em adultos, e nunca nada nos tendo faltado, agimos em piloto-automático, comendo até rebentar, não vá amanhã faltar.

A natureza é abundante, dificilmente morreríamos de fome, mas comemos para armazenar gordura. Como faziam os antigos. Esses sim, não sabiam quando voltaria a haver comida. E como garantir que houvesse.

O programa que corre automaticamente no nosso cérebro é antigo, desajustado, não mais faz sentido.

Somos assim com muita coisa: não uses, que estraga. Não gastes, porque não sabes o dia de amanhã. Ou gasta, porque sabe Deus quando voltarás a poder fazê-lo. Separando-nos de tudo, vivendo constantemente na dualidade, na separação, na falta, na escassez. E, consequentemente, na frustração, na ansiedade, na competitividade, na inveja, na culpa, no ressentimento.

Comemos muito além das nossas reais necessidades.

E não por prazer, mas por compulsão. Por detrás da compulsão, está a crença na escassez.

A crença na escassez é movida pela emoção do medo. Ainda que nada no mundo racional nos indique que estamos em perigo de vida, a emoção de stress do medo faz que vivamos permanentemente em estado de sobrevivência mental.

Em modo de sobrevivência, só temos três hipóteses: atacar, fugir ou paralisar.

Não havendo, de facto, espaço para a criação. Nomeadamente, espaço mental para que possamos receber informações. Lembrarmo-nos de que temos dois braços, duas pernas, uma cabeça a funcionar. Bem como uma capacidade intelectual e emocional mais do que suficientes para que possamos garantir a nossa subsistência e muito mais.

Consumimos muito além das nossas reais necessidades e prazeres.

Por estarmos em constante estado mental e emocional de escassez. Toda a propaganda (governamental, publicitária, educativa, farmacêutica…) fora de nós induz e alimenta essa crença. Associando sucesso a posse, status a poder, consumo a autonomia. Trabalho a sobrevivência, controlo e medo a segurança. Remédios a saúde, mental e física.

Ao facto de precisarmos de procurar fora de nós, o que sempre esteve e estará cá dentro.

Esse vazio emocional gigantesco, que preenchemos com comida, cigarros, álcool, drogas, remédios, roupa, objetos… Passado o encanto da novidade, volta, com uma força ainda maior.

Separando-nos mais e mais de nós.

Até que nos voltemos para dentro, descubramos que produzimos tudo de que precisamos internamente. O nosso corpo, cérebro, coração, é uma máquina incrível, que se auto-sustenta ao ponto de nos fazer sentir plenos, amados, unidos, livres, abundantes, ilimitados. E jamais escassos, insuficientes, não merecedores, temerosos, incompletos.

O nível de amor que senti em frente a este presente da natureza não tem dimensão possível. Isto é abundância.

Ainda hoje falava nisso com a minha ex-manager. Um teto sobre a cabeça, comida na mesa, roupa lavada, dois filhos saudáveis, um marido saudável, um trabalho, há muito o que agradecer. O que não quer dizer que não possa querer-se mais e melhor, naturalmente. Mas, se formos bem honestos, à maioria de nós nada, absolutamente nada faz realmente falta. Somos abundantes.

É connosco que temos de fazer as pazes.

É dentro de nós que precisamos de nos unir, cabeça e coração em harmonia, a funcionar em colaboração, em vez de cada um para seu lado, ou em competição e em conflito um com o outro. Quando tal acontece, e conseguimos manter uma coerência entre cabeça e coração, o dia inteiro, todos os dias, constatamos que não precisamos de nada externo a nós para nos sentirmos plenos, completos, ilimitados.

A consciência vai e vem, a reação é automática, obedece ao tal programa inconsciente que faz que o corpo seja a mente e não o contrário. E dite ordens, mande sinais, até que nos imponhamos e, garantindo-lhe que vamos alimentá-lo, que vai poder ver mails, trabalhar, usar o telefone, lhe ordenemos que fique quieto, sossegado, apenas respire, durante 20 minutos, de olhos fechados, com ou sem música, guiado ou não. Até que coração e cérebro voltem a estar coerentes, harmónicos, em paz.

Temos, todos nós, um potencial imenso e inesgotável.

Só precisamos de lembrar-nos, ignorar tudo quanto é externo que tente convencer-nos do contrário, cuidar que nos mantemos conectados com o nosso coração, e seguir o nosso caminho.  Em abundância.

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