O problema de escrever noutra língua, mesmo para quem escreve, fala e trabalha o dia inteiro num idioma que não é o seu, e, quando acaba o dia de trabalho, ainda lê nessa língua, é não a sentir.
Ouço, escreve e falo inglês todo o santo dia.
O meu mercado de trabalho é o do Reino Unido, ainda por cima, o meu inglês preferido. E, ultimamente, tenho lido mais em inglês do que em português, infelizmente. O que faz do meu inglês mais rico e do meu português temporariamente mais desfalcado e menos fluido. Além disso, estou em contacto com alguns amigos com quem me comunico em inglês. Por isso, alguns textos têm saído, naturalmente, nessa língua. O livro que estou a escrever é, também ele, na língua de Shakespeare.
Sou das palavras
A minha formação original é em tradução, tenho por isso uma obsessão profissional pelo significado exato das palavras. Porque a expressão é uma prioridade e a forma como melhor me expresso é a escrever, essa obsessão é, também, pessoal.
Num primeiro momento, não me preocupo muito com as repetições, mais frequentes quanto menor é o vocabulário.
O importante é a expressão. O polimento vem depois.
Acontece-me muito estar a escrever, o fluxo de consciência bom e a recomendar-se, e saírem-me expressões, alojadas num canto inacessível da minha cabeça, diretamente para o papel. Já devo tê-las ouvido numa música ou num filme, ou lido num sítio qualquer que a minha consciência não registou, e por isso não as reconhece, recebendo-as com surpresa, mas o meu inconsciente sim.
Não as reconheço, só sei que me soam bem.
Uma busca rápida nas dezenas de dicionários online, cujos links guardo com o fervor de uma devota, ou mesmo diretamente no motor de busca, confirmam-me se a expressão é aquela e se quer dizer exatamente o que pretendo.
Adoro quando acontece
Quer dizer que existe uma ligação emocional àquela palavra ou expressão, que, se sai sem esforço e ainda por cima do inconsciente, é porque consigo senti-la.
Com a cabeça, o coração e a alma.
Podemos ter preferências por certas palavras, a forma como soam quando as dizemos, ouvimos e no-las dizem ao ouvido. Mas só seremos bem sucedidos a escrever noutra língua quando, além de conhecermos o significado das palavras, conseguimos senti-las verdadeiramente. Saber quais são adequadas num determinado contexto. Desaconselhadas, de mau gosto ou até mesmo proibidas. Que impacto o seu uso tem na cultura específica daquele local ou classe social.
Jamais me atreveria a tentar publicar o meu livro sem que fosse revisto por um nativo.
Por sabê-lo muito mais pobre do que seria, se acaso fosse bilingue e morasse na Escócia. Por outro lado, quem o rever não sabe o que quero transmitir, não sente o que eu sinto, não conhece a minha história.
Podemos tentar explicar o sentido de uma palavra ou expressão, aconteceu-me isso com as tradutoras dos meus dois primeiros livros. Mas a literatura está na tradução da palavra pela palavra correspondente noutra língua, não pela sua explicação.
As explicações entram no campo da razão, da cabeça, a literatura fala outra linguagem…