Gogglebox

14/05/2024

É daquelas pessoas que fala com a televisão? Comenta ou responde ao que está a ver? Ou dos que fica irritado quando alguém faz perguntas ou comentários? Lembra-se de um anúncio em que se filmava uma audiência numa sala de cinema e as reações das pessoas ao que estava a passar-se no ecrã? Estas são as premissas de Gogglebox. Uma série fabulosa do Channel 4, no ar desde 2013, que já vai em 23 temporadas, premiada com um BAFTA, entre outras nomeações.

Ver pessoas a ver televisão.

Dito assim parece a coisa mais entediante de sempre. O público britânico parece ter achado o mesmo, antes da estreia. Mas acabou por render-se a uma ideia genial, que proporciona momentos tão hilariantes quanto comoventes.

Casais, amigos ou irmãos, em dupla ou tripla, famílias, de todos os extratos sociais e idades, e de todas as partes do Reino Unido. Alguns dos sotaques são tão cerrados, mesmo em Inglaterra, que mal consigo perceber o que dizem.

Mas isso é o menos relevante.

Uma câmara fixa, de frente para quem está a ver. Outra a apontar para a TV que, ocasionalmente, filma o que está a ser transmitido. Só. Em qualquer canal, inclusive plataformas de streaming. E o máximo que faz é planos aproximados da cara de alguém em específico. A primeira câmara vai filmando as reações a notícias, documentários, concursos, de todo o tipo, filmes e séries, em tempo real. Programas de TV generalista, que jamais veria, outros que conheço bem, tipo Downton Abbey, The Undoing ou The Crown, por exemplo.

Sem fórmula, guião ou qualquer tipo de indicação. A única condição que parece haver é: sem a presença de telemóveis, como me parece óbvio.

O que implica que deve dar uma trabalheira a editar.

Nunca são os mesmos, porque as pessoas não veem todas a mesma coisa. Mas várias casas veem o mesmo programa, em direto.

Tornou-se tão popular que pessoas conhecidas do mundo da música e da representação aceitaram participar, como Jamie Dornan e Boy George, por exemplo.

Alguns dos “personagens” podem ver-se em diversas temporadas, outros vão desaparecendo.

Acompanhamos momentos especiais das suas vidas como nascimentos e aniversários, sem a eles assistirmos. Pequenas provocações, e discussões, desabafos de todos os dias. Sem pretensões, pequenos momentos de intimidade familiar, dentro dos limites do aceitável. Sempre com muita graça e muito sentido de humor.

Não podia ser mais espontâneo e genuíno.

Vemo-los a torcer pelos participantes em concursos, a chorar quando se comovem, assustados em filmes de terror, um dos meus momentos preferidos, a gozar, a dizer piadas a reclamar e a resmungar. A imitar, a dançar e a cantar, com base no que estão a ver, o mais hilariante. E a reagir e responder a todo o tipo de perguntas, notícias e comentários.

Acolher a vulnerabilidade em vez de nos envergonharmos dela.

Cada coisa que se passa na TV e gera uma reação, a realização mostra as reações das várias casas. Numa edição primorosa.

E para quem gosta de observar o comportamento humano, as dinâmicas, as diferenças entre homens e mulheres, introvertidos e extrovertidos, pensamento e sentimento, ao que cada um presta atenção ou lhe toca mais,é um deleite.

Por outro lado, a agenda está em todo o lado, engraçado de ver o quão rápido a introduziram, quando comparamos as primeiras temporadas com as últimas. E o nível de decadência das televisões públicas e privadas, a pretexto do entretenimento, a chegar a níveis estratosféricos. Nunca o predictive programming foi tão evidente. Só com Gogglebox se aguenta. As reações à vergonha alheia ou ao que os companheiros de casa dizem ou fazem são o melhor.

Gogglebox tem me feito rir mais do que qualquer stand up.

You Might Also Like

error: Protected Content