
Enquanto deixamos que outros estejam na nossa cabeça, o nosso foco é neles, não em nós. Vivemos a nossa vida através deles, é quase como se vivêssemos a sua vida, não a nossa…
Admitindo que nos serve durante um tempo, para além de não nos resolver a vida, desvia-nos de nós. Do facto inexorável de que temos, mais tarde ou mais cedo, de nos encararmos, mas também, e talvez num segundo momento muito, muito distante do primeiro, do que queremos fazer com a nossa vida.
Nesse fatídico primeiro momento em que olhamos com olhos de ver para a nossa vida, pode ser que nos apercebamos do vazio em que ela se tornou, é como se tivéssemos um armário cheio de roupa que não nos serve, larga demais ou apertada demais, e vemo-nos, de repente, sem nada que vestir.
O espaço ocupado pelos outros é imenso, tão grande quando o vazio que agora nos cabe preencher. O desapego é difícil, a vontade de voltar atrás é por demais tentadora, afinal, é uma zona de conforto como qualquer outra, por maior que seja o desconforto. Verificamos que, por mais que nos esforcemos, as roupas que guardámos por anos a fio cheiram a mofo, não nos identificamos mais com elas, estão velhas, com borbotos, perderam a cor e a forma original. Experimentamo-las de todas as formas, mas rapidamente chegamos à conclusão de que ficaram, entretanto, inutilizáveis. Depois de doadas, o espaço que fica parece-nos grande demais e é nesse momento que percebemos o desperdício horroroso a que o votámos anos e anos sem fim. É hora de escolhermos as roupas que melhor nos assentam. Novinhas, prontas a estrear. As únicas que nos servem, as nossas…
*De um dos meus filmes preferidos de todo o sempre e mais além, o Contacto.