Tinha saudades de ler em português, quanto mais leio, melhor e mais fluido é o que escrevo. Vai daí, comecei a ler o Diário da Peste, do Gonçalo M. Tavares. Recomendado pelo João Miguel Tavares, uma noite destas, no Governo Sombra, que vejo mais para matar saudades do RAP do que por outra coisa qualquer. Todos uns vendidos, JMT, o menos vendido de todos. E CVM nunca me enganou. O livro era recomendado com um aviso: não ler tudo de uma vez, por ser pesado. Comecei e não parei mais.
Prefiro fazê-lo a ver o jogo da Holanda contra a República Checa.
Estou velha, recuso-me a chamar outro nome aos dois países que agora mudaram a sua identidade, como fazem os esotéricos. Admira-me que não escolhessem nomes de flores, em vez de Países Baixos ou Chéquia, que nome horroroso, valha-me Deus… E não obriguem os seus cidadãos a dizer gratidão em vez de obrigada.
O meu pai nunca chamou INATEL à FNAT, talvez fosse um idealista, como eu.
Ando cansada, a precisar urgentemente de férias, com sono e dores de cabeça todos os dias. Espero que seja por excesso de ecrãs, e não por causa de um tumor qualquer no cérebro. Não me apetece morrer já.
O cansaço típico dos introvertidos*
São demasiados estímulos durante o dia. Visuais, sonoros, demasiada gente durante demasiado tempo. Não vejo a hora de me mudar para o Alentejo. Já não tenho medo de ser uma velha solitária, que vai alugar os ouvidos das senhoras da farmácia por falta de companha, de ter quem me ouça e me abrace nos intervalos do desespero, da desilusão, da queda de um ideal.
Ideal de ego
Hei de vir aqui um dia falar disso.
Foi por um bom motivo, hoje, os sobrinhos que vejo de 15 em 15 dias e o viajante que voltou finalmente para casa. Mas os bons motivos não me mudam a natureza. Cheguei aqui e nem o jogo da bola consegui ver.
Não consigo mais escrever sentada à secretária, a olhar para o mar.
O trabalho de todos os dias acabou-me com o espaço da criação. Filhos da puta… Faço-o na chaise longue cor de laranja, que comprei para substituir o sofá de ferros. Dividi a sala mínima ao meio e este é agora o meu espaço de criação, entretenimento, diversão.
Até ir morar para o Alentejo, numa casa com uma sala enorme, um espaço aberto, tipo loft, com um mezanino, o farol possível, onde só eu entrarei.
Não são só os estímulos externos que me dão cabo da cabeça, me deixam os olhos pesados e num humor infernal. O meu inconsciente anda há uma semana a processar esse tal de ideal de ego, não posso infelizmente dar-me ao luxo de parar de trabalhar, e toda a minha energia física é sugada para esse nobre propósito, o de me permitir continuar. Para tal, tenho de deixar o inconsciente fazer o seu trabalho, no seu tempo, só então poderei voltar ao que vocês chamam vida.
Ninguém se-lo permite no Ocidente.
Onde as pessoas se definem pelo que fazem, a atividade tem de ser frenética, as mãos ativas e a cabeça deve manter-se ocupada. Como se o inconsciente não a ocupe que chegue. Contrariando instintos básicos de sobrevivência, forçando vontades, desejos que não se sentem e forças que se não têm.
Nem para a bola tem havido cabeça
A bola dos outros, bem entendido. Demasiados ecrãs, luz falsa, estímulo mortal. Mas terá de havê-la para voltar a correr. Deixa-me de bom humor, os músculos a doer e um rabo digno desse nome.