Um dos livros que mais me inspirou ultimamente foi o Greenlights, do Matthew McConaughey. Luz verde seria o título que lhe daria.
Ando há que tempos a tentar escrever ficção. Cada dia me convenço mais de que não foi para isso que sobrevivi. São tantas e tantas as histórias autênticas que me inspiram.
Histórias autênticas são difíceis de manipular.
Não quero entreter, quero inspirar. Muito menos culpar, mas responsabilizar. Não quero desafiar o ego alheio, mas, num primeiro objetivo, resgatar o humanismo de cada um, inclusive o meu. Depois, chegar à alma. Não me interessa o que nos vitimiza, o que faz de nós dignos de admiração ou aprovação. Muito menos explorar a sombra. Basta-me conhecê-la, para que me permita ir mais fundo, até chegar ao centro de tudo, do todo de cada um. Cada vez mais longe de querer controlar quem quer que seja, mas contribuir como puder para que cada um encontre o seu caminho.
Literatura já faço, mesmo sem me esforçar muito. Da minha criatividade também não tenho dúvidas.
Interessa-me a totalidade, não apenas o que de nós é conhecido e, portanto, se torna relativamente fácil de lidar. Por sabermos o que lhe fazer, ao termos algo a dizer. Mas os pedaços com os quais não sabemos o que fazer, o que se quebrou dentro de nós, não conseguimos explicar, racionalizar. Para o qual não temos um remédio, uma solução, uma cura. Apenas temos de aceitá-lo, como é, como somos. E o que escondemos de nós e do mundo, a pureza da alma.
Só a verdade me interessa.
Não o sadismo, a exploração da miséria alheia, o masoquismo, a autotortura, o self-loathing. Mas a verdade toda, a sombra e a luz, a consciência e o inconsciente, a persona e a identidade total. Interessa-me o desconforto que leva à verdade. Aguentar o sofrimento que leva à consciência. A luz verde que se lhe segue.
Leio a Joan Didion e apetece-me erguer-lhe uma estátua.
Esses são os verdadeiros heróis, os que se expõem sem se diminuir ou enaltecer, que conseguem lidar com o elogio e a crítica, sem que nenhum dos dois lhes insufle o ego ao ponto de se acharem donos do sofrimento ou da virtude. Incomoda-me tanto um quanto o outro. E saber fazê-lo é uma arte. De contrário, é manipulação das próprias emoções, um truquezinho básico do ego. Espanta-me como se convencem… Também me incomoda quem ambos rejeita, por ser sinal de que não está a lidar nem com um nem com o outro.
São as vozes individuais, que respeitam a identidade de cada um sem a impor, que mais me inspiram e ao coletivo, tenho a certeza disso. Calar vozes individuais por não se encaixarem em rótulos ou categorias é limitar o potencial individual. E a cama de Procrusto nunca foi lugar aonde chegasse almejar. Não estou interessada em que me estiquem as pernas muito menos que mas cortem. Já tentei e não fui mais feliz por isso.
Há lugar para toda a gente.
Limitar a meia dúzia é eliminar uma série de características e de formas de ver o mundo que o equilibram. Mesmo que esse equilíbrio passe por ter de lidar com o que nos incomoda, nos dilacera por dentro. Que existam, todos, e que cada um saiba proteger-se do que lhe faz mal. E se una a quem o torna mais seguro, não queira usurpar-lhe a identidade, a voz própria.
Faltam-me personagens reais, para não ser só eu, para que possa escrever histórias que inspirem, não pela coragem, não há coragem quando não conseguimos ser ou fazer de outra maneira, mas pelo testemunho.
O humor é fundamental, tal como outros recursos linguísticos e de personalidade, desde que usado em prol da narrativa, e não como artifício que nos desvie, lá está, do caminho da verdade. Mesmo que seja só a da nossa alma.
As minhas tentativas de escrever ficção resumem-se a relatos, descrição de acontecimentos e, no limite, a uma tentativa de entender e me apaziguar, no primeiro caso. E puro desejo ilusório, no segundo, além da sempre infrutífera tentativa de entender e me apaziguar. Já não quero tentar entender sozinha e, na grande maioria dos casos, o meu par não está assim tão interessado em dançar… It takes two…
Escrever é a minha forma de lidar com a vida, de descobrir a verdade por detrás do que me acontece, do que sinto e não controlo, por mais que me esforce. Interessa-me a poesia, a beleza de todas as coisas, e há beleza, ou pode haver, em tudo, até no sofrimento, desde que não se lo cultue. A isso chama-se outra coisa, mas não verdade.
O existencialismo por si, dizem, não vende.
Hermann Hesse e Dostoiévski até ressuscitam, perante tamanha heresia. Hesse não precisou sequer de matar ninguém.
Não interessa que se pense, que se descubra a verdade, sobre si, os seus e o mundo. Interessa que sejamos uma massa amorfa, fácil de controlar e manipular, através de canais televisivos de entretenimento, de notícias ou de ficção a pedido. O que está disponível, pago pela máfia que controla o mundo. E é se queres.
Comprei recentemente “A educação de uma idealista”, não havia lido nada sobre a autora ou o livro, atraiu-me o título, que acabou por ser muito mais político do que imaginei. E sobre uma série de instituições que agora desprezo com todas as minhas forças, por, lá está, saber a verdade toda. No entanto, espero que me inspire a equilibrar o meu idealismo com o que o coletivo consegue aguentar. Adaptar-me à realidade sem querer matar-me. Sem perder uma certa inocência.
E o Highland Clans.
Ouvi falar dele no Men in Kilts, a série mais ou menos documental protagonizada pelo Sam Heughan e o Graham McTavish, que mais não é do que uma promoção da Escócia. Não me incomodou, gosto de homens de saias desde o anúncio do William Lawsons, No Rules, Great Scotch.
Logo no primeiro episódio, luz verde.
Há qualquer coisa na Escócia que fala diretamente com a minha alma. Uma nostalgia inexplicável pela razão. Só a alma compreende. Luz Verde. Vi a série toda numa noite e estou a adorar o livro. Chamar clã em vez de família faz-me todo o sentido, por envolver um elemento muito forte de consentimento coletivo, onde há proteção e a justiça é administrada, em vez da promoção da obediência cega à autoridade.
Queria mesmo era misturar os dois, para não me prender apenas à exatidão dos factos, que pode ser tediosa e cinzenta. O relato por si só tem pouca cor. E a descrição precisa de magia para que possa acender uma luz verde. A verdade é a combinação das duas coisas, da realidade dos factos e da magia da alma. Só a verdade me interessa…