Meias desirmanadas

11/09/2022

As meias desirmanadas são mais ou menos como as relações que nunca chegam a sê-lo. Porque há um dos intervenientes, normalmente o homem, que desaparece sem deixar rasto. Como o par de uma meia.

O velho e cobarde ghosting.

É sempre só um. Já me aconteceu ter três meias desirmanadas de uma vez. Se são três, podia uma delas ser um par, combinar às escuras com uma das desirmanadas mais velhas. Mas não.

Uma é sempre anterior, e por isso mais gasta. Quando são do mesmo tamanho. Estas eram de três tamanhos e texturas diferentes.

Guardo-as sempre. Até não poder olhar para elas e deitá-las fora. É quando aparece a outra, que agora se encontra desirmanada. Juro que já me aconteceu. Por isso não mais as deito fora.

As meias que guardamos são como as partes nossas que foram rejeitadas na relação que não aconteceu.

Guardamos um carinho por elas, afinal, fazem parte de nós.

Quando as deitamos fora, atiramos essas partes nossas para o inconsciente. Acabando por rejeitá-las, tal como o gajo que nos abandonou.

Todas as pessoas com trauma de rejeição e abandono, basicamente, o planeta inteiro, tendem a agarrar-se a coisas.

A ter dificuldade em abandonar, mesmo que nunca tenha tido.

Faz o oposto do que lhe fizeram. Ou o mesmo, também acontece. Abandona antes de ser abandonado.

Tenho mantido as meias desirmanadas.

Da última vez, perdi uma azul escura completamente nova e uma preta, que se encaixa na que estava desirmanada. É igual.

A primeira meia desirmanada aceita de boa vontade, ainda que não seja um perfect match.

Não estamos por tudo, mas aceitamos algumas coisas de bom grado.

 Com os gajos é um bocado assim. Começamos a diminuir os itens da check list.

Essa meia azul não deito fora, por ser nova.

E há uma que sei que jamais recuperarei o par, que não consigo deitar fora. Por ter três ou quatro bolas brancas, que parecem pérolas, por ser bonita, a meia.

Sou um clássico. Diamantes são demasiado in your face, não é a minha cena. Sou discreta, mas com classe. Como as pérolas.

Um clássico eterno, que nunca perde o valor.

O inconsciente a não querer abandonar a estética, a criatividade, na minha aborrecida vida.

Entre a criatividade e tudo o resto, ainda que não corresponda aos padrões tradicionais, escolho a primeira: é  mais importante do que o que vão pensar sobre o assunto e, em última instância, de mim. Quem me conhece, claro, o resto do mundo tem mais que fazer.

E toda a gente pensa nas suas pessoas.

Se pergunta. Nunca diretamente. No entanto, sabendo isso tudo e tendo sofrido na pele as consequências, a minha identidade é a minha prioridade, desde sempre.  Em detrimento do coletivo.

Lá está, não poderia ter feito outras escolhas.

De resto, se lhe chamam metade da laranja, porque não a minha outra meia?

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