Ressacas depois dos 50

16/04/2022

A Clara Ferreira Alves, do alto da sua sabedoria e maturidade, dizia que: “Ressacas depois dos 50 são piores do que ataques de sarna”.

É frase que cito com, cada vez mais, frequência.

O problema das ressacas depois dos 50 não é a quantidade de tóxicos, sejam eles álcool, fumo ou doces, e comida em geral, ingeridos.

Aos 40 é que ainda acreditamos que conseguimos beber e/ou fumar, e comer, o mesmo que conseguíamos aos 20 e aos 30, abençoadas décadas.

Aos 50, e embora a nossa cabeça se esforce muito, o nosso corpo já não se deixa enganar pela megalomania do ego, pela desconexão que existe entre cabeça e o resto. Não, aos 50 o corpo, quer a gente queira quer não, está ali para nos provar que não nos dá hipótese de nos iludirmos.

A grande chapada que as ressacas depois dos 50 nos dão é que basta aumentar 1% a dose do que costumamos consumir, na verdade, basta consumir, para que, no dia seguinte, nos sintamos praticamente imprestáveis para o que quer que seja.

Exceto arrastarmo-nos até ao nosso lugar preferido que serve comida para teenagers, e para jovens cinquentões de ressaca, e tentarmos compensar o estrago do dia anterior, com carne, comida gordurosa e até mesmo coca zero, coisa que deixámos de consumir há anos, a ver se o dia, que por sinal está lindo, não fica tão doloroso de aguentar.

Foi o que fiz: Hangover food and poetry. And the sea in front of me. Perfect Saturday mornings…

Ao meio-dia, antes que viessem as hordas do primeiro fim-de-semana decente de primavera, um calor considerável e, claro, silêncio. A grande vantagem de comer o que se vê, a estas horas, é que mais nada entrará neste corpinho até amanhã…

Como consumimos pouco, as ressacas só duram um dia…

Esse é outro problema das ressacas em jovens e pessoas maduras que deveriam ser mais espertas, o tempo da ressaca também muda muito. Passando de umas horas para três dias, como os casamentos ciganos, mas sem a parte da dança e da festa, só mesmo letargia da boa, dormência generalizada e uma dor de cabeça na nuvem em que esta se tornou, que dá vontade de trazer de volta a guilhotina por uns dias. Desde que depois se pudesse voltar a coser a cabeça ao corpo. Que a minha pode dar-me trabalho, mas é a que tenho e não quero outra.

Por fim, há a questão do tempo que nos resta…

Se aos 40 ainda podemos dizer que somos novos, com toda a lata que caracteriza gerações a quem lhes dói verem-se como adultos e envelhecer parecer pior e mais contagioso do que apanhar lepra, aos 50 já não é possível. Nem mesmo para Peter Pans como eu. Juntando-se-lhe o facto de exercermos profissões meramente para pagar contas, estando longe do nosso ideal de alma, não podemos mais dar-nos ao luxo de desperdiçar o pouco tempo que nos resta fora do horário de trabalho de assalariado. Um dia de fim-de-semana não pode ser deitado à rua, passado como se estivéssemos mortos e não tivéssemos recebido o aviso em casa. Os Sábados, principalmente as manhãs, são preciosas para um escritor.

 E se há coisa que muda aos 50, entre muitas outras, é a noção de tempo e de prioridades. E eu tenho as minhas bem presentes. As ressacas são, portanto, poucas. Mas boas, raios as partam…

*

A Emily Bronte continua gloomy, neste livro de poesia. Morreu aos 30 anos, de tuberculose, mas dá ideia que a sua alma tanto tinha 89 como 15 anos. Há uns poemas belíssimos, como este:

The Old Stoic

Riches I hold in light esteem,
And Love I laugh to scorn;
And lust of fame was but a dream,
That vanished with the morn:

And if I pray, the only prayer
That moves my lips for me
Is, “Leave the heart that now I bear,
And give me liberty!”

Yes, as my swift days near their goal:
’Tis all that I implore;
In life and death a chainless soul,
With courage to endure.

Amen.

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