Saúde mental – Tempo

01/04/2020
Tempo de apatia, de negação, de rejeição, de negociação, de aceitação, de adaptação.

Todos temos tempos diferentes, mas todos vivemos esses tempos de forma mais ou menos natural, condizente com a nossa maneira de ser, mais ativa (masculino psíquico) ou mais contemplativa (feminino psíquico).

Por mais que o mundo externo nos diga para encurtarmos cada um deles, é psiquicamente que essa decisão é tomada.

A maioria força o tempo.

Apressa-o, contorna-o. Enche-o bem cheio para não ter de lidar com o vazio, o incontrolável, o desconhecido. Serve o coletivo e o ego individual, o tempo cronológico, mas não o propósito psíquico como um todo.

Demoro para me adaptar.

Preciso de um tempo de apatia entre o momento da negação e rejeição e o da aceitação e adaptação. Da reação.

Esse tempo interno pode ser um desespero para quem espera uma resposta, uma reação, uma ação.

Mas é fundamental não ceder à pressão externa.

Dificilmente cedo, porque já me conheço o suficiente para saber que é pior a emenda do que o soneto. E porque o meu corpo simplesmente não obedece à tirania a que o meu ego quer sujeitá-lo.

Mas cobro-me imenso pelo tempo em que fico inativa, apesar de saber intelectualmente que é o tempo de que o inconsciente precisa para poder mandar a mensagem certa para a consciência. Cobro-me esse tempo por causa da pressão do muno externo e do meu próprio ego, que não aguenta não ter o controlo das coisas.

Como qualquer outro ego, aliás…

Em tempos de Covid-19, o que vejo, depois de todos esses tempos, são fábricas nacionais todas focadas na produção de material médico. Cervejeiras a produzir álcool gel, testes e reagentes covid produzidos 100% em Portugal. Voluntários a correr para ajudar médicos, assistir velhinhos em lares, artistas a fazer o que sabem, por eles e por todos nós, confinados em casa, via internet e redes sociais. Entre tantos anónimos a fazer o que podem para contribuir para que os tempos não sejam tão sombrios e todos aguentemos isto o melhor que pudermos.

Com responsabilidade individual e consciência coletiva

Uma coisa que gera normalmente muita frustração é não fazermos, reagirmos, agirmos, sermos como os outros. Porque não temos público, por não nos movermos pelo mesmo do que os outros, simplesmente, por sermos diferentes.

E pela pressão coletiva no sentido da normalização

A verdade é que, mesmo que não seja validado pelo coletivo, e ser muito difícil mantermo-nos fieis aos nossos propósitos, quando estes não têm qualquer tipo de eco fora de nós, todos nós temos algo com que podemos contribuir para conseguirmos viver um bocadinho, apesar de só nos apelarem à sobrevivência.

O João Miguel Tavares dizia um dia destes que não precisamos de poesia, mas de cientistas.

Os cientistas já estão a fazer o trabalho que lhes compete.

O resto de nós pode fazer o melhor que sabe, com tudo o que tem.

Nós só podemos dar o que temos, nada mais.

E eu sinto um certo conforto quando me deparo com algo que me inspira e/ou me faz rir às gargalhadas.

Por isso deixo a pergunta: qual o teu contributo para que o que estamos a viver não nos leve ao desespero, à loucura, à depressão, à raiva, ao medo? Porque para isso temos os telejornais e a toxicidade das redes sociais.

Algo que venha do coração, da vulnerabilidade, não da frustração, do ego.

Descobre o que é teu, profundamente teu, e de mais ninguém e partilha-o com o mundo.

E, mesmo sem grande retorno, verás que descobriste um tesouro.

Estamos habituados a precisar de um tempo de fim, porque nos dá uma sensação de controlo sobre o desconhecido, por causa do medo deste. Neste momento do mundo e das vidas de todos nós, esse fim não existe. Contar o tempo de confinamento prejudica mais do que ajuda. Esperar pelo fim deste tempo também.

E talvez por isso o percamos em inutilidades. Ou o desperdicemos por completo.

Aprender a geri-lo é uma arte. Saber fazê-lo com tudo o que é nosso, cabeça, coração, corpo e espírito é o único garante da sanidade mental e física.

O único tempo que temos é agora.

Mais ou menos ocupado, é agora. Mais para uns do que para outros, mas é o único tempo que todos temos neste momento.

O tempo de agora, de hoje, de um dia de cada vez.

O que queres fazer com o teu?

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