Ontem, ia arrumar um livro que tinha acabado de ler e deparei-me com três cujo título incluía a palavra “sentido”. Um trouxe de casa dos meus pais, chama-se o sentido da alma, está mal traduzido, tinha um marcador na segunda página, o meu pai deve ter começado a lê-lo e pô-lo imediatamente de lado. Foi nesse que peguei para ler. O outro, chama-se o sentido da vida humana e foi-me oferecido por um amigo do meu pai. E o terceiro, o sentido do fim, que comprei e li aqui há dias.
Este fim-de-semana, revi um filme de que gosto muito. É baseado num livro do Nick Hornby, é com o Hugh Grant, cujo personagem, para variar, me faz rir do princípio ao fim, sou fã incondicional do Hugo Grande, e é a prova de que os britânicos são os reis disto tudo. Gosto do realismo, da autenticidade, dos europeus, apesar da sensação de que esta minha mania de ver o mundo como gostaria que ele fosse ainda um dia me há de matar. Em contraponto com a plasticidade dos blockbusters de Hollywood, aquela coisa comum às novelas que nos diz que somos ou bonzinhos ou o pior que há no mundo. E da ausência de drama. Do facto de os britânicos conseguirem quase sempre pôr-nos a rir nas piores situações. Não para fugir delas, mas para as aligeirar um bocadinho.
Nos tirar do olho do furacão, dar-nos perspetiva.
Nessa história, o personagem principal vive de direitos de autor de uma música que o pai criou e não faz rigorosamente nada. A vida corre-lhe de feição, não tem chatices, divide o tempo em unidades de meia hora e chega à conclusão que não sabe como as pessoas arranjam tempo para trabalhar, se o dia dele está todo preenchido.
Até ao dia que conhece Marcus. E a mãe.
A vida estava ótima, Will era Ibiza, um homem é sim uma ilha, dizia, não havia chatices de maior, compromisso zero.
Só carecia de sentido, de significado. Era meaningless…
O que me tocou particularmente. E ali ficou a ressoar. Dois dias depois, deparei-me com os três títulos na minha estante. Não pode ser coincidência.
No mundo pós-moderno do consumismo desenfreado, da hiperatividade, da esquizofrenia que nos leva a mantermos a cabeça, os braços, as mãos, ocupados o tempo todo sob pena de sermos excomungados, é obrigatório ter objetivos. Para termos por que lutar e bem assim nos mantermos ocupados. Queres sentir-te importante, diz que tens imenso que fazer.
Ando a evitar a expressão: faz sentido, porque também ando a querer evitar racionalizações para poder validar o que sinto, deixando-me apenas ficar com a sensação enquanto critério de avaliação.
Mas não o sentido. Pelo contrário. Cada vez mais quero a sensação do sentido, em detrimento do fazer por fazer, ir por ir, para cumprir um papel, dar vazão à neurose, colmatar uma carência.
Leveza sim, mas com sentido.
Nada de vazio, de relações, projetos, coisas, acontecimentos, momentos cheios de nadas. Nem grandes nem pequenos.
“A vida tem que ter um sentido e o meu dia a dia é procurá-lo” escreveu algures Espinosa. Por não ser da ordem da Razão mais difícil se torna apreender-lhe o sentido. Mas será isso importante? O importante é viver e dar à dádiva de tempo que é a vida o devido valor. O tempo nunca é vazio! Mesmo quando não estamos a ser úteis ou nos recusamos a mostrar serviço. Há um quinhão de tempo que resulta de tudo o que se passa à nossa volta e que, seja para nos congratularmos, seja para nos chatearmos, nos sobressaltam o espírito. Os Ingleses são leves por temperamento e porque não são escravos da continuidade que os latinos imprimem aos mais insignificantes eventos. O ‘amanhã’ para eles é de facto um novo dia capaz de trazer um novo sentido
Curiosamente, o filme de que falo, e o autor, não poderiam ser mais britânicos… Sentido no sentido de significado, uma coisa que não seja vazia, não tem nada a ver com apego. Nem com razão.