Sobre a liberdade

24/04/2024

Nos últimos dias, tem-se falado muito de liberdade, por conta da efeméride do mês em curso, liberdade essa que só foi devolvida ao povo português um ano e meio depois, com o 25 de Novembro de 1975. Que salvou Portugal de ser um satélite da, então, União Soviética, que, como se sabe, era tudo menos livre. O que é um sinal claro de que esta gente que enche a boca para falar de liberdade não faz a mínima ideia do que está a falar.

Já que não há, nunca houve, nem haverá, um regime comunista que seja verdadeiramente livre.

O que é, então, a liberdade?

Não será certamente “fazer o que nos apetece”, visto que essa vontade não vem necessariamente de um lugar de autonomia. Mas de cedência aos próprios instintos, compulsões e complexos.

Pressupondo-se assim uma ideia moral e racional de liberdade.

Também não vem de partidos políticos ou de sistemas de governo, visto que já nascemos livres, esse é um direito natural. Pelo contrário, partidos e governos condicionam a liberdade, de movimento, de associação, de credo, de expressão, em nome da liberdade de capacidade, alegando o “bem comum”.

A liberdade só pode ser exercida com responsabilidade. Já que ser livre não é estar isento de qualquer limitação.

Os libertinos, que levantam horizontes para que não haja qualquer tipo de limitação, criando dúvidas, caos e fantasias, onde tudo é possível, uma vez no poder, têm sido os piores déspotas.

Ser-se livre implica conhecermo-nos, profundamente, responsabilizando-nos não só por nós mas para com os outros, para quem a nossa liberdade tem consequências. Pelas instituições que nos permitem ser livres. Resistir ao que quer impor-se mas, também, às nossas próprias reações perante essa imposição. Tolerando os erros dos outros – erros esses que não mais são do que deturpações de liberdade individual – sem querer ser o seu Deus, contendo essa vontade, esse poder. O que nos permite ser livres para fazer o que entendemos ser nosso dever.

Rejeitamos alguém que exerça autoridade sobre nós, mas de quantos outros somos reféns?

Assim, a liberdade está intimamente relacionada com o poder para agir sem a ausência de coação exterior. Somos livres de e para exercer a capacidade de entender o que realmente queremos. Que só se consegue com autonomia individual, espaço para se poder pensar. Para que essa autonomia exista, é preciso que possamos participar nas instituições que no-la garantem.

O que é manifestamente diferente de indiferença.

Para tal, é preciso limitar o poder político e democrático, para que as famílias e os indivíduos possam tomar as suas próprias decisões no que se refere a tudo o que diga respeito à sua vida e à dos seus filhos.

Já que numa sociedade onde não há liberdade de expressão, de associação, de pensamento, não há qualquer tipo de liberdade.

Associa-se muito a felicidade à liberdade.

Para mim, a felicidade nunca foi um objetivo. O sentido sempre me fez muito mais sentido. Daí que me cause sempre alguma perplexidade que o objetivo de uma vida seja ser-se feliz, pondo-se sempre o ónus dessa suposta felicidade no exterior de si mesmo.

Ou num interior muito pouco livre…

O que é ser-se feliz? Estar satisfeito é ser feliz? Ou não passa de mero alívio em relação a um conflito interno ou externo? E se for, ser-se feliz é isso?

Pelo contrário, a liberdade para transcender o que sou neste momento poderá, isso sim, proporcionar uma sensação de realização, dar-me um sentido para a vida.

Por outro lado, fazer o que deve ser feito também traz felicidade. Mesmo sob opressão se pode tentar ser livre, visto que a alma continua livre.

Não pactuarmos com a pressão, a coação, também é ser livre.

Ser-se chamado à liberdade é exercer resistência sensata, contendo-nos, sem ter medo, dando importância ao que havia sido um dado adquirido. Sem deixar que lados nossos, que nos prendem em vez de nos libertar, aflorem, ganhando mais autonomia em relação a partes de nós que, na verdade, nos oprimem.

Resistindo à resposta fácil.

Ao convite para a hipocrisia. A pequena cedência é a mais corrupta de todas. A que nos conduz a aceitar o poder de outrem sobre nós, justificando-o, perdendo assim autonomia pessoal.

Para ser verdadeira, a liberdade tem de ser concreta.

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