Aqui há uns meses, concorri para uma bolsa de criação literária que, soube hoje, não ganhei. Era-me muito fácil imaginar-me largar a casa onde estou e mudar-me para Aljezur, onde, durante um ano, escreveria o meu primeiro romance. Seria um sonho.
E bem que o merecia, ando nisto há anos…
Noutra época, acharia que talvez fosse uma fantasia, uma necessidade do ego mais do que um propósito de alma, que descartaria com relativo à-vontade.
Apesar da frustração e da fúria.
O que os casos de sucesso raramente expõem é o que não deu certo. Escondem os insucessos, com medo sei lá de quê.
E o que os filmes quase nunca mostram é o tempo que um escritor leva a viver do métier. No caso dos americanos, a frustração é ainda maior, porque os escritores têm sempre adiantamentos, para poderem escrever sem terem de se preocupar com minudências, como comer e pagar contas.
O glamour da vida artística não se coaduna com as necessidades da vida mundana.
Ninguém nos prepara para isto. Para o tempo que dura. E, para piorar, Hollywood infantilizou e muito o mundo ocidental, que tem cada vez menos resistência à frustração. Gente cheia de direitos, que acha que tudo lhes é devido.
Eu, que felizmente fui muito mimadinha, já tive dias piores. E a maturidade vai ajudando.
Mas não é por isso que não desisto.
Muito menos se trata de não dar o braço a torcer.
E é isso, esse não desistir, quando para mim é sempre tão fácil largar coisas que não funcionem, que me mantém firme. Essa convicção que me vem do fundo da alma. Resultado de uma busca que durou a vida inteira.
Não ganhei esta, ganho a próxima…
A grande vantagem de viver para o processo de individuação é aceitar os revezes com relativa tranquilidade e, em vez de desistir, aguentar.
Aproveitar que mudei de projeto na empresa onde trabalho e me sinto motivada para continuar. Aproveitar as vantagens que o mesmo representa, falar com pessoas, resolver problemas, exercitar o cérebro, ajudar os outros, contribuir para que as suas vidas melhorem, em tempos tão sombrios e assustadores. Treinar o ouvido para o sotaque britânico e escocês, preparar-me para o que vier.
Apesar de não me dar muito tempo nem grande cabeça para escrever.
Talvez não seja ainda o momento.
Cada vez mais ESTJ, o trabalho onde estou proporciona-me o exercício das características deste tipo psicológico. Ao mesmo tempo que a INFP que há em mim ouve elogios todos os dias.
Sempre tive trabalhos solitários, onde o retorno quase nunca chega. E, quando chega, é para criticar. Toda a gente acha que é tradutor… E o português é pouco atreito a elogios e muito propenso à crítica. Contra mim falo, que nunca respondo àqueles inquéritos de satisfação.
Este é o tempo para isso. Para não me isolar, para a realidade.
Para que quando o sonho vier possa vivê-lo de maneira a que se torne real. Confiar no propósito maior e acreditar que esta é apenas mais uma etapa, que o é, não tenho quaisquer dúvidas.
Já me faz imenso sentido agora, há de fazer ainda mais. Esse é o grande conforto que o processo de individuação nos dá, o de que está tudo certo… A vantagem da idade é aceitá-lo com tranquilidade e paciência.