Depois de dedicar umas horas valentes à minha mais recente obsessão, o Stand Up, encontro-me numa posição bastante confortável para opinar sobre o assunto e, inclusive, revelar as minhas preferências.
De tal maneira que, na primeira noite, depois do Sloss, fui dormir com um espetáculo de stand up a desenhar-se na minha cabeça.
A primeira vez que me disseram que haveria de ter jeito, as punch lines no sítio certo, o tempo da piada cirúrgico, estava a falar de coisas sérias: arquétipos e mitologia, autoconhecimento e story telling.
Na altura pensei: jamais.
Não só por ser introvertida e me aterrorizar estar perante um palco cheio de desconhecidos, mas porque a minha memória já não ser o que era. Tenho a certeza absoluta de que nunca nesta vida iria conseguir decorar um texto inteiro.
Só que, se o texto é meu, não preciso de me preocupar com a precisão dos factos, de dar explicações técnicas, sou capaz de lá chegar.
Nessa noite, a primeira de muitas dedicadas ao stand up, dei-me conta de que é a única arte em que podemos estar uma hora a falar de nós sem que ninguém se entedie. Desde que sejamos bons, soubermos o que estamos a fazer e como fazê-lo. Sem que ninguém se lembre de nos chamar narcisistas, auto-centrados, chatos. Ou queira interromper-nos para falar de si.
Pareceu-me genial.
Também é a única arte em que, ao fazê-lo, não nos sentimos mal. Podendo falar de tudo, absolutamente tudo o que nos deixa vulneráveis, tristes, irritados, frustrados, sem a emoção associada.
E, para além de sermos ouvidos, ainda somos validados e aplaudidos.
Outra coisa que achei genial é o facto de sermos nós e um microfone. Com a roupa mais discreta, neutra, preta, de preferência, que conseguirmos. Porque o que interessa é o que dizemos, não o que vestimos.
Os melhores stand up comedians, para mim, são esses.
Os que não recorrem a fogos de artifício, imagens de vídeo, audiovisual. Ou a números de circo em palco. Correria, andares idiotas, ou de gatas, poses no chão, guinchos, vozes forçadas e por aí fora.
Gosto dos que conseguem fazer rir dezenas de pessoas só com o que dizem, pelo intelecto.
São os mais inteligentes. E o humor, para mim, tem de ser inteligente. Rebuscado ou na mosca. Fruto de observação e dedicação à causa.
Não basta dizer mal, de si ou dos outros, sem conteúdo além da suposta piada.
Por isso, e porque nunca fui muito apreciadora do estilo Jim Carrey, não gosto dos que fazem caras e bocas. Vozes e, acima de tudo, dos que acham que para ter piada têm de gritar.
Esses, em particular, irritam-me profundamente.
Gosto de um grito espontâneo, no lugar certo, no timing perfeito. Mas recorrer à gritaria cansa-me muito a beleza.
O mesmo vale para os palavrões.
Nada forçado, nada em demasia, tudo a favor quando é apropriado, espontâneo.
Há exceções, no caso das vozes. A Iliza exagera e muito no contributo físico que dá ao seu stand up. Nas vozes também, é um abuso. Mas aquela voz de bruxa é perfeita. Sendo a minha preferida a voz feminina de computador.
É exatamente assim que soa.
Gosto dos homens mais do que das mulheres, por serem mais corajosos (ou emocionalmente inconscientes); dos introvertidos mais do que dos extrovertidos, estes exageram demais nos gestos e nos gritos; gosto dos britânicos infinitamente mais do que dos americanos.
Gosto de story telling muito mais do que de piadas que não se relacionam umas com as outras. Quando o texto tem um fio condutor, sem ser preciso mudar abruptamente de assunto. E, acima de tudo, gosto quando o fim do espetáculo se relaciona com o início do mesmo. E, lá pelo meio, há referências aos assuntos já mencionados. Às piadas já feitas.
Se tiver ainda mais graça do que da primeira vez, perfeito.
Os homens são muito mais escatológicos, acho que não houve um que não mencionasse o tema nos seus textos, e vi muitos espetáculos de homens, e falam sempre, sempre das próprias pilas. São infinitamente mais mono temáticos do que as mulheres. Que, por sua vez, falam de uma miríade de temas, sendo o principal os relacionamentos, como não poderia deixar de ser.
Gosto dos humoristas que não pedem desculpa, não justificam piadas.
Há uma diferença abissal entre os humoristas da minha geração e um pouco mais novos, e os mileniais. São estes que pedem desculpa, fazem apartes, explicam piadas, justificam-se imenso, não vá alguém pensar mal deles.
E gosto dos que, não querendo ser os grandes educadores da classe operária, fazem mais do que, lá está, ajustar contas, vingar-se, dizer mal de tudo, ser agressivos, críticos, más-línguas.
Nos fazem ver um tema de outra perspetiva, fora da nossa esfera e experiências pessoais, furando a barreira do ego, chegando mais longe, humanizando. Mesmo que seja à bruta, às vezes.