Mais ou menos por esta altura, quando o tempo começa a ficar cinzento e as folhas amarelas, o YouTube presenteia-nos com vídeos de jazz, em ambientes outonais.
Primeiro, foram as lareiras, a crepitar.
Costumava deixar a televisão ligada na lareira, enquanto trabalhava. O som embalava-me e, mesmo que fosse apenas virtual, parecia que aconchegava. Era tão bem feito que a lenha ia queimando, mudando de cor para cinzento, à medida que a madeira se desfazia. E o vídeo só terminava quando a madeira estava toda em cinzas. 
Por um lado, era mais agradável do que só o som do piano. Por outro, esse vídeo em que há piano em direto não tem anúncios.
Depois, vieram os vídeos a sério. Com musiquinha suave e folhas, chuva ou, à medida que se aproximava o inverno, neve, a cair.
Escolhia criteriosamente o ambiente que mais me agradava. Casas de madeira sem vizinhos, com livros nas paredes, mezaninos, lareiras ou salamandras, árvores de folhas amarelas, e deixava tocar.
São tão bem feitos que dava por mim a olhar para eles uns bons minutos.
O algoritmo fazia o seu trabalho e todos os dias me mostrava uma série deles. Cada vez melhores, mais aconchegantes e mais reais. Com chávenas a fumegar, mantas displicentemente atiradas para um sofá, cães ou gatos.
Às vezes, cães e gatos na mesma divisão, a dormir.
Ficou tão bom que chegou ao cúmulo de apresentar gatos que se mexiam, para dar a sensação de que aquela é a nossa sala. Ao ponto de me ocorrer que só faltava aparecer um jeitoso qualquer a pôr mais lenha na lareira e a perguntar se queria uma mantinha ou um cházinho.
Chega a primavera e as paisagens mudam, mas não tem tanta graça, apesar de serem, também elas, de sonho.
Com o dia que se apresenta hoje, e depois de uma viagem de Santarém no meio de um dilúvio verdadeiramente assustador, voltei a eles, aos vídeos.
Mas acho que se andam a esticar. Neste momento, estou numa casa tão fantástica que o tubo da salamandra dá para o ar, o candeeiro de teto não precisa de estar preso ao mesmo, visto que não há teto, e a parede à minha frente, que dá para um lago lindíssimo, onde caem gotas de chuva, mas que estão invisíveis no céu, e folhas de árvores, amarelas, naturalmente, não existe.
A inteligência artificial já foi menos artificial…

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